Ressignificação e Empatia - Jornada da Vida
Certa tarde, após um dia exaustivo de trabalho, parei na esquina em frente a uma cafeteria moderna e elegante, que, infelizmente, permanecia fechada às segundas-feiras.
Em questão de segundos, um jovem se aproximou timidamente e pediu algo
para comer. Surpreendi-me com sua voz rouca e baixa, que subitamente alcançou
meus ouvidos. Contudo, a verdadeira surpresa estava por vir.
Inicialmente, diante da tensão que se estabeleceu entre nós, respondi que não tinha nada para oferecer-lhe. No entanto, sua resposta desarmante me fez repensar minha posição:
– Claro que tem! – Disse ele, elevando o tom de sua voz. Silenciei-me, tomado por um misto de temor e curiosidade. Ele prosseguiu:
– Sua disposição para me ouvir não é um verdadeiro banquete? – E completou: para mim, isso é suficiente!
Atônito e imóvel, permaneci em silêncio. Mas ele não!
Naquele breve intervalo de tempo, lembrei-me de uma história contada por uma antiga professora de Latim, com sotaque e temperamento bem italianos, embora já morasse há muitas décadas no Brasil. Durante suas alegres aulas, ela compartilhou um episódio que vivenciara em um ônibus. Contava que fora abordada por um adolescente que anunciou um assalto ao entrar no coletivo. Ele passou recolhendo o que podia de cada passageiro. Ao se aproximar dela, que estava sentada no assento próximo à saída, ela o encarou nos olhos e perguntou:
– Por que está fazendo isso, meu filho? Naquele instante, o jovem parou e respondeu:
– Tenho fome, preciso de dinheiro, mas fica tranquila tia, não quero nada seu. Mas saiba: nunca me chamaram de filho.
Essa história veio à memória numa velocidade incrível, ainda assustado e temeroso com o que poderia acontecer naquela rua praticamente deserta. As únicas testemunhas da minha aflição eram um cachorro que cheirava a lixeira da esquina e, do outro lado, um gato preto que lambia lentamente seus próprios pelos.
O jovem, que já o tinha observado minuciosamente, começou a contar sua história. Sua aparência, com camisa larga e encardida, chinelo de dedo, calça jeans surrada e larga, sem cinto, me assustava. Embora tivesse uma certa harmonia própria do estilo jovial.
A empatia ressignifica a jornada da vida?
De repente, ele se sentou no meio-fio, de cabeça baixa, perguntando se eu podia ajudá-lo a entender o que estava acontecendo. Era nítido que sua voz agora não era somente baixa ou rouca pelas circunstâncias físicas. Algo mais estava ali dentro, inquieto por ser revisitado.
Minha reação natural foi sentar-me ao lado dele, para estabelecer alguma forma de conexão. Aprendi que manter-se no mesmo nível constrói o caminho para um vínculo maior. Já não era o medo que me deixava inquieto, mas sim o que poderia fazer a partir dali.
Foi então que percebi: ele realmente tinha algo que o marcava, e falar sobre isso era mais do que um desejo, era uma necessidade. Mesmo ainda anestesiado pelo susto, lhe disse:
– Siga, jovem, o que te aflige? Deseja contar-me!
Ele descreveu que estava sentindo, não fazia pouco tempo, um grande vazio interior. Estava em meio a muitas pessoas, mas era como se estivesse só. Desejava amar, mas não tinha mais coragem. Buscava ser amado, mas já não tinha confiança em ninguém. Buscava um sentido para sua própria vida, mas não o encontrava tão facilmente.
Logo me pus a questionar, em silêncio e travando uma espécie de cabo de guerra interior, entre o meu medo e a possibilidade de ajudar aquele jovem. Quem de nós nunca se viu em situações assim? Sem respostas, mas somente mergulhados em inúmeras perguntas? Quem nunca sentiu um vazio existencial, daqueles que parecem nos levar à morte, ao nada, ao vazio ainda mais profundo? Quem nunca se questionou sobre a própria vida e o seu sentido?
O jovem que insistia em não dizer o nome, olhando para meus olhos, disse:
– E você, nunca sentiu isso? Nunca experimentou esse gosto amargo da vida? Parecia adivinhar meus pensamentos!
Naquele instante, era como se sua aflição estivesse começando a tocar meu interior. Queria ter uma resposta imediata, mas para estas questões não existe resposta pronta. Depois de alguns segundos, lhe disse:
– Claro que sim! Você não é o único nessa peregrinação terrena. Não é o único a buscar respostas. Subitamente ele me retrucou:
– Então o que você faz para não ficar mergulhado nesses sentimentos? Nessas perguntas que não calam? Nesse vazio?
Mais uma vez, entre o suspirar em busca de discernimento e sabedoria, lembrei-me de outro fato. Desta vez de uma conversa com um religioso. Este, quando confessei minhas angústias, dizia:
– O que você tem amado? Você tem amado algo ou alguém? Buscava uma resposta e ele me devolveu uma nova pergunta, a qual ecoou profundamente dentro de mim. Na mesma hora, eu a repassei àquele jovem:
– O que você tem amado? Você tem amado algo ou alguém?
Apressadamente, abri e comecei a procurá-lo em meio a alguns livros e papéis que trazia dentro daquela mochila. Desejava lê-lo para aquele jovem. Após remexê-la, encontrei-o amassado e dobrado diversas vezes. Olhei então para ele ainda de cabeça baixa e disse-lhe:
– Deixe-me ler esse poema, amigo. É tudo que posso oferecer neste momento, antes que parta e continuemos nossas vidas, cada um com suas interrogações.
O jovem, ainda pensativo, aceitou a proposta. Imediatamente comecei a recitá-lo como se fosse ali um palco, o holofote, a luz amarelada do poste ao nosso lado e ele, o mais importante espectador que já conheci.
A empatia ressignifica a jornada da vida?
Quando estava concluindo as últimas palavras, percebi que uma leve lágrima em meio ao ainda tímido sorriso caía dos olhos daquele jovem. Morosamente, ele se pôs de pé e eu o acompanhei. Ele me agradeceu por aqueles poucos minutos e palavras. Enfim, falou-me seu nome. Disse eu também o meu.
Em seguida, ele saiu, silencioso e agradecido. Confesso que fiquei ali, ainda um bom tempo, submerso em pensamentos. Só alguns minutos depois, também me pus a seguir o meu caminho, pensando se de alguma forma ajudei-o de verdade.
Diante de tudo isso, chego à conclusão de que a vida nos interpela a cada instante. O que me pergunto é: que respostas estou oferecendo a ela? Pois, na verdade, o sentido da vida não reside exatamente aí? E não seria a capacidade de ter empatia uma força de ressignificação da própria vida?
1 Comentários
Na minha visão, realmente, a vida tem muito aver com empatia. Para mim, ver alguém feliz me faz me sentir mais viva, ajudar alguém e ver aquela pessoa feliz, é algo incrível! Porém, empatia com nós mesmos também, principalmente nesses momentos em que nos sentimos um tanto perdidos. A vida precisa de empatia para, ser mais leve!
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